segunda-feira, 18 de abril de 2011

::: Tem malandro demais pra otário de menos :::

Ainda era de manhã cedo e eu já estava com o bloco na rua, indo pro batente.
Saindo de casa, o vizinho estava de frente pro elevador.

"Bom dia!", com uma alegria forçada e irritante.


"Bom. Tudo bem?". Tentei manter o mínimo suficiente de desinteresse para que ele percebesse que nao queria muito papo. Nada pessoal. Eu é que tenho medo de pessoas alegres e efusivas logo de manhã cedo. Sempre imagino que elas sejam serial killers em potencial. Sério.

Isto posto, ele continua, tentando ir mais direto ao ponto que conseguiu:

"Você trabalha com saúde, né? É médico?"

"Nao. Sou dentista."

"Eu preciso de um favor seu. Aliás, vou te falar a verdade porque eu sou evangélico e acho que é melhor dizer a verdade que mentir."

"Hmmmm...." ¬¬

"É o seguinte: minha mulher é funcionária do Tribunal. Agora vai ter o feriado e a gente tinha combinado uma viagem pro dia 18, mas o tribunal só vai liberar a partir do dia 23. Eu preciso de um atestado para ela. Eu acho errado, mas queria te pedir isso, porque afinal de contas, a gente é vizinho e eu já paguei a excursão".

Juro: quando ele terminou de falar, eu, que já tinha tomado meu omeprazol matinal, descobri a exata sensação que deve ter um dragão cospe fogo com azia.

Respondi:

"Deixa eu ver se eu entendi direito: sua mulher é servidora estadual e quer um atestado para miguelar no trabalho, certo?"

"Sim."

Nesse momento, Dona Belarmina, síndica, entra no elevador.

"E voces, que são evangélicos, nao querem mentir, certo?"

"Sim."

"Mas se eu der um atestado falso, eu estarei mentindo. Isso parece certo pra vocês?"

"Err.. É que..."

Dona Belarmina dá aquela ajeitada de pescoço pra poder ouvir a conversa melhor.

"E além disso, dar atestado falso é crime. E como se nao bastasse, estou lesando os cofres públicos que ajudo a manter."

"Olha, eu já entendi... Desculpa"

"Então voce calcula mal a folga de sua mulher, usa sua religião como argumento para induzir um agnóstico inocente ao erro moral de mentir, com o risco de sofrer a danação eterna; ao crime de fornecer atestado falso, ir em cana, perder minha autorização para trabalhar e ainda quer sair de bonito? Olha, numa boa, eu acho que não vai dar não. Bom dia pra você."


Esse diálogo ocorreu no tempo do elevador descer e chegarmos os tres, o vizinho, dona Belarmina e eu, na portaria do prédio. Obviamente, a recapitulação final dos fatos na portaria se deve ao fato de haver mais gente presente para que pudessem ouvir a história.

domingo, 17 de abril de 2011